terça-feira, 8 de março de 2011

Pedalando em São Paulo: Maurício Alcântara

Maurício Alcântara tem 26 anos e vive na cidade de São Paulo (Brasil). Há precisamente um ano, decidiu deixar o carro em casa e passar a ir de bicicleta para o trabalho. Para ele, o uso da bicicleta traduz-se em agilidade, economia e prazer. Vejamos o que tem para nos contar...

Há quanto tempo vais de bicicleta para o trabalho?
Vou ao trabalho de bicicleta há apenas 1 ano, exatamente. Comecei em dezembro de 2009.

Porque decidiste começar a ir de bicicleta?
Foram vários fatores. Um deles é geográfico: há 1 ano me mudei da casa de meus pais para o centro de São Paulo. Meu trajeto cotidiano, que antes ultrapassava 50 Km percorridos diariamente, agora é de no mínimo 10 Km, considerando ida e volta.

Outro aspecto foi uma questão ética: antes dirigia diariamente por uma das avenidas mais importantes de SP, a Marginal Tietê (uma avenida assustadoramente feia, que beira o poluído rio Tietê, é de uma violência absurda ao meio ambiente e ao olhar). Teve um dia, em junho de 2009, em que saí tarde do trabalho e presenciei uma obra do governo do estado derrubando árvores centenárias, na calada da noite, para as obras de expansão que aconteceram ali para tornar a avenida mais trafegável aos carros particulares. Depois desse dia, decidi que não teria mais carro por não compactuar com essa violência contra a cidade.  

O terceiro aspecto é meu interesse na pesquisa acadêmica do urbanismo e da relação das pessoas com as cidades (em especial a relação do paulistano com SP) - a bicicleta confere o resgate do que eu chamo de dimensão humana da cidade, que foi perdida a partir do momento em que a topologia, a geografia e o habitat passaram a ser despercebidos pelo corpo e pelos sentidos de quem vive nesse ambiente urbano, graças à adoção do motor como intermediário castrador dessa relação entre o indivíduo e a cidade.  

Ainda tem o fator sedentarismo: não pratico esportes pois não tenho paciência para atividades físicas que consumam meu tempo sem me oferecer nada em troca além da pratica esportiva por si só. Em troca do esforço físico, a bicicleta ainda me oferece deslocamento ágil até meus destinos, o prazer de circular pela cidade em um ritmo muito mais humano e muito mais livre e ainda o prazer de interagir e fazer amizade com outros ciclistas, que estão aumentando na cidade. 

Que distância percorres nesse percurso? Que tempo demoras?
5 Km de ida, mais 5 de volta. Demoro em torno de 15 a 25 minutos, dependendo do ritmo que eu escolher. Este ano devo iniciar uma nova graduação, e isso deve adicionar cerca de 10 Km adicionais a meu trajeto diário.  

Quais têm sido, no teu caso, as vantagens práticas de utilizar a bicicleta como meio de transporte preferencial?
Listei algumas há pouco, mas ressalto, principalmente: agilidade, economia e prazer.  

De bicicleta só quando dá sol… ou também quando o tempo é mais agreste?
Depende mais de minha agenda do que do clima. Se tenho reuniões com clientes no começo ou no final do dia (quando posso ir ou voltar direto para casa, sem passar pela agência onde trabalho), prefiro o transporte público. Como chove muito em São Paulo sobretudo durante o verão, faço o possível para que isso não seja um impeditivo para ir de bicicleta - sempre carrego uma capa para proteger a bicicleta da chuva durante o dia (o local onde a guardo não é coberto), e me preparo para que minhas coisas não se molhem no trajeto. Só não gosto de ir de bicicleta quando já chove no momento em que saio de casa, por precisar sair com mais antecedência para não chegar atrasado (afinal o processo de chegar, me enxugar e me trocar em dias de chuva toma um tempo bem maior).

Que tipo de bicicletas tens?
Tenho uma mountain bike que é a bicicleta que uso cotidianamente para ir e voltar do trabalho, e tenho uma Caloi 10 de 1982, que é um modelo clássico de bicicleta de estrada muito popular nos anos 70 aqui no Brasil, que uso mais como veículo "de passeio". 

Qual o equipamento que usas no teu dia-a-dia de ciclista?
Uso roupas comuns, do dia a dia (não gosto de "me fantasiar" de ciclista). Na mochila ou no bagageiro sempre carrego ferramentas e acessórios que posso precisar em caso de emergência (bomba, remendo para pneu, chaves diversas, capa de chuva especial para o alforge), além de travas e cadeados. Sempre alterno entre o alforge, a mochila ou uma bolsa transversal (Timbuk2), dependendo da quantidade de coisas a serem transportadas e do clima. De equipamento de segurança, uso somente luzes e capacete (este também com luzes).

Qual a tua ocupação actual?
Sou publicitário, trabalho com planejamento criativo em uma agência de comunicação digital.

O que dizem as pessoas quando lhes contas que vais regularmente de bicicleta para o trabalho?
Em geral enxergam isso como uma excentricidade. Desde os anos 50, no Brasil (acho que em muitos outros lugares também, mas aqui isso acentua-se muito, ao menos aos olhos de quem não pensa assim), carros são sinônimos de poder, status e progresso - para a maioria das pessoas é inconcebível não andar de carro quando se tem poder aquisitivo para fazê-lo. No entanto, muita gente já está tão saturada do martírio que são os congestionamentos, os custos abusivos de manutenção de um carro, da perda de tempo diária, que já começa a enxergar com simpatia a ideia. Ao longo desse 1 ano, éramos duas bicicletas estacionadas no bicicletário de meu trabalho. Hoje já são cerca de 10. Depois que comecei a usar a bicicleta regularmente, muita gente já sinalizou simpatia pela ideia - e ao menos 3 ou 4 pessoas efetivamente aderiram à bicicleta na cidade, ainda que em caráter experimental/de lazer.

Tens alguma peripécia relacionada com o uso da bicicleta, divertida ou interessante, que queiras partilhar?
Quando comecei a andar de bicicleta, tive um imenso incentivo por parte de amigos que já pedalavam por São Paulo. Como retribuição a esse "empurrão" que tive, faço o possível para auxiliar todos os amigos e colegas que sinalizam algum interesse pela prática. Por isso, vez ou outra publico em meu blog (www.maucantara.com) textos que buscam desmistificar a prática, para que as pessoas enxerguem menos como uma atividade excêntrica e mais como uma outra possibilidade. Não necessariamente melhor que outras, mas que também não é necessariamente ruim como muitos acham. Andar de bicicleta não é necessariamente sinônimo de suor, pobreza ou iminência constante da morte como as pessoas imaginam.

Praticas algum tipo de desporto, para além do teu percurso diário de bicicleta?
O único esporte (ou desporto, hehe) que tento praticar com alguma regularidade é a natação. Como disse anteriormente, não tenho paciência para os demais...

O que pensas da cidade de São Paulo, no que se refere às infra-estruturas rodoviárias existentes e à relação com os ciclistas?
São Paulo é uma cidade assustadoramente austera a qualquer pessoa, seja de carro, de transporte público, de bicicleta. A cidade é grande, cresceu vertiginosamente em pouco menos de 100 anos, sem o devido cuidado das autoridades para definir diretrizes que garantissem uma qualidade mínima dos serviços públicos para comportar esse crescimento. Praticamente inexistem ciclovias, e as poucas iniciativas que existem ainda tratam a bicicleta mais como um veículo de lazer do que como uma modalidade de transporte metropolitano. E pelas dimensões de São Paulo, torna-se praticamente impossível uma malha cicloviária que dê conta da cidade toda. Por isso, a grande luta dos ciclistas em São Paulo é para conquistar respeito nas próprias ruas, que são espaços que é nosso por direito (assegurado pelo código de trânsito brasileiro). Mas como os motoristas estão acostumados com iniciativas públicas que somente privilegiam o transporte privado e individual, andar de bicicleta é um exercício que também assume um caráter educativo e de militância (daí a importância da Massa Crítica, que aqui foi batizada como Bicicletada). No fundo, percebe-se que a maioria dos motoristas vê com bons olhos quem trafega de bicicleta, e que é uma minoria que não quer saber conviver com essa diversidade.  

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